|
•
Acalmar a todos. Eu continuo a atuar no programa
espacial exatamente com a mesma garra que sempre
estive. Reserva da Força Aérea
não é sinônimo de afastamento
das funções no Programa Espacial. |
•
Corrigir uma centena de informações
desencontradas e inverdades que aproveitadores de
momento tentam usar para fins próprios ou
políticos. |
•
Lembrar a todos que, é absolutamente essencial
ouvir as pessoas corretas e conhecer os fatos reais
antes de emitir qualquer opinião sobre qualquer
assunto. |
Nesse
caso, as únicas fontes corretas de informação
por ordem são: Astronauta Brasileiro - Ten.Cel.
Marcos Pontes, Comandante da Aeronáutica
– Ten. Brig. Bueno, Presidente da Agência
Espacial Brasileira – Dr. Sérgio Gaudenzi. |
Estou
impressionado com a propagação de opiniões
oriundas fontes incorretas ou tendenciosas. Isso transforma
um processo normal de passagem de oficial da ativa para
a reserva em um alvoroço sem sentido. Isso reflete
o “medo geral” que ronda atualmente a cabeça
das pessoas.
Para
apresentar as informações de forma coerente
e eficiente, começo por descrever pelas minhas
obrigações com o programa espacial acordadas
em 1998. Em seguida descrevo as obrigações
da AEB e da FAB segundo o mesmo acordo em 1998. Depois,
apresento os meus objetivos pessoais antes e depois da
realização da Missão Centenário.
Finalmente apresentarei uma série de fatos e considerações
a respeito da minha passagem atual da ativa para a reserva
da Força Aérea.
1.
Funções para as quais fui selecionado em
1998 como astronauta brasileiro
•
Treinar e representar o Brasil como astronauta junto aos
outros 15 países participantes do Programa da Estação
Espacial Internacional (ISS)
• Realizar como tripulante a primeira missão
espacial brasileira,
• Realizar experimentos nacionais a bordo da ISS
2.
Responsabilidades da Agência Espacial Brasileira
no projeto
•
Prover e administrar orçamentos para a construção
de todas as partes nacionais a serem fornecidas pelo Brasil
para a ISS segundo o acordo internacional assinado em
1997.
• Contratar junto a indústria nacional a
construção das partes da ISS sob responsabilidade
do Brasil.
• Negociar com a NASA as contrapartidas (recursos
científicos na ISS para execução
de experimentos nacionais embarcados, intercâmbio
de cientistas e vôo espacial) da cooperação
em troca das partes que seriam construídas no Brasil
• Entregar as partes nacionais
• Intermediar com a NASA e outras agências,
gerenciar, prover recursos, coordenar e fornecer meios
para todas as atividades técnicas e operacionais
relativas ao treinamento e vôo do astronauta brasileiro,
• Gerenciar a definição de prioridades
no Programa Espacial
• Definir a finalidade da Missão Centenário
para o Programa Espacial conforme o emprego do investimento
necessário para a mesma.
• Decidir sobre a execução ou não
da Missão Centenário dentro dos seus objetivos
para o País.
• Definir o perfil da Missão Centenário
• Definir os experimentos que seriam embarcados
e realizados na ISS
• Coordenar a utilização científica
e propagação dos resultados dos experimentos
realizados na ISS durante a Missão Centenário
(finalidade básica do investimento feito)
3. Responsabilidades da Força Aérea Brasileira
no projeto
•
Ceder um oficial para a representação do
Brasil em Houston na função de astronauta
e para realizar o primeiro vôo espacial brasileiro
• Conceder, conforme previsto por legislação,
a pensão previdenciária para a sua família
no caso de morte do oficial durante o treinamento ou vôo
espacial
• Manter os custos de remuneração
desse oficial no exterior, conforme o previsto por legislação,
durante o treinamento e a realização do
vôo
4.
Meus objetivos pessoais antes do vôo (comparar com
o item 1):
•
Representar bem o Brasil como astronauta junto aos outros
15 países participantes do Programa da Estação
Espacial Internacional (ISS)
• Realizar sem erros operacionais a primeira missão
espacial brasileira,
• Levar a nossa bandeira pela primeira vez ao espaço
• Realizar no espaço homenagem a Santos Dumont,
perante ao mundo, no ano do Centenário do seu primeiro
vôo
• Realizar experimentos nacionais a bordo da ISS
• Motivar jovens brasileiros às carreiras
das de C&T e Forças Armadas
• Divulgar o Programa Espacial
• Divulgar a Força Aérea Brasileira
• Manter a participação brasileira
na ISS
• Trabalhar em Houston e junto as indústrias
brasileiras, na área técnica da participação
brasileira na ISS, como elemento de ligação
entre o Brasil e a NASA para a construção
das partes nacionais da espaçonave.
5.
Meus objetivos pessoais depois do vôo (comparar
com o item 1):
•
Motivar jovens brasileiros às carreiras das de
C&T e Forças Armadas
• Divulgar o Programa Espacial
• Divulgar a Força Aérea Brasileira
• Continuar a divulgação de Santos
Dumont, no ano do Centenário do seu primeiro vôo.
• Manter a participação brasileira
na ISS
• Trabalhar em Houston e junto as indústrias
brasileiras, na área técnica da participação
brasileira na ISS, como elemento de ligação
entre o Brasil e a NASA para a construção
das partes nacionais da espaçonave. Depois de 8
anos como o único representante do Brasil junto
a esse programa no exterior e assim sujeito a ouvir todas
as dúvidas dos parceiros sobre a capacidade do
Brasil em cumprir sua responsabilidade no acordo internacional,
pelo meu amor pelo meu país e o seu bom nome, a
construção e entrega dessas partes tornou-se
mais do que um objetivo, mas um desafio pessoal. Quem
conhece a situação, sabe o que isso significa.
• Trabalhar junto a FAB na relação
com o setor privado no Brasil e no exterior, assim como
agências governamentais internacionais, para fomentar
o desenvolvimento de foguetes nacionais e plataformas
de lançamento
• Trabalhar junto a AEB no contato com o setor privado
no Brasil e no exterior, assim como agências governamentais
internacionais, para fomentar cooperações
e projetos de interesse do Brasil na área espacial.
• Ter novos desafios e progressos como profissional,
agora na área técnica, e como ser humano.
• Dedicar sérios esforços na área
social da educação, não só
na motivação e palavras, mas também
na criação de uma instituição
para fomentar acesso à educação a
crianças de baixa renda no Brasil.
• Fomentar a criação de um instituto
governamental e/ou privado destinado à pesquisas
em microgravidade e desenvolvimento de processos tecnológicos
para materiais produtos originados de pesquisas no espaço.
• Fomentar a atividade de vôos tripulados
espaciais no Brasil através da iniciativa pública
e privada
• Conseguir dar continuidade no programa para termos
um segundo astronauta brasileiro
• Prover e estar mais perto da minha família,
filhos e esposa, que praticamente abdiquei por 8 anos
para me dedicar exclusivamente ao cumprimento de minha
missão espacial para o país.
6.
Situação atual:
MISSÃO
CENTENÁRIO:
•
Vôo completado com sucesso
• Não existe mais nenhuma atividade operacional
prevista para ser realizada pelo astronauta com relação
à missão.
• Experimentos realizados e entregues aos pesquisadores
• Relatório técnico do vôo completado
pela tripulação em Moscou
• Fase de recuperação fisiológica
do Cosmonauta pós-vôo em andamento
• A partir de Julho, o astronauta iniciará
a fase de divulgação pós-vôo
da missão Centenário em diversas cidades
espalhadas pelo Brasil.
• Em data e local a serem marcados pela AEB, os
resultados dos experimentos, razão da execução
da Missão Científica Centenário,
serão apresentados em congresso pelos pesquisadores.
O astronauta estará presente no evento.
PROJETO
DE PARTICIPAÇÃO BRASILEIRA NA ISS:
•
Desde 1997 o Brasil ainda não conseguiu construir
nenhuma parte nacional, conforme sua responsabilidade,
segundo o acordo assinado e revisado de participação
brasileira no programa ISS
• Atualmente a imagem do país no acordo é
muito ruim na área técnica.
• Existem sérias dúvidas dos participantes
com relação à capacidade do país
em construir tais componentes ou da sua seriedade no cumprimento
do acordo internacional.
• A participação brasileira na cooperação
internacional esteve várias vezes em risco. No
início do ano passado, sem recursos possíveis
para o projeto, durante um período de discussões
dos parceiros sobre a continuidade do Brasil ou não
no projeto, resolvi contatar diretamente a indústria
brasileira através do SENAI-SP para solicitar um
possível apoio na construção das
partes nacionais e, assim, conseguirmos mantê-lo
ativo.
• Dada a importância do assunto para o respeito
e nome do Brasil e da sua indústria no exterior,
o SENAI-SP e FIESP assumiram o compromisso de desenvolver
e fabricar, sem custo para o programa espacial, os protótipos
dos componentes brasileiros para a ISS. Depois de desenvolvidos,
a tecnologia desenvolvida de fabricação
seria passada às indústrias a serem contratadas
pela AEB para a fabricação das partes de
vôo, propriamente ditas, da ISS.
• Isso permite então a homologação
em qualidade do SENAI-SP e para as indústrias contratadas,
de forma que podem, tendo esse selo de qualidade, exportar
outros componentes diretamente para o mercado de tecnologia
espacial. Ser parte de uma pequena lista de fornecedores
para esse mercado super importante para o Brasil (desenvolvimento,
tecnologia, empregos, etc...)
• Através de acordo firmado entre AEB e FIESP
esse processo foi iniciado.
• Paralelamente dei início junto a NASA no
processo de inclusão (registro) do SENAI-SP na
documentação técnica da cooperação
(MLA – Multi-Lateral Agreement), de forma que o
SENAI-SP pudesse então receber os dados técnicos
necessários para a fabricação e teste
dos citados protótipos.
• Como resultado da informação da
entrada do SENAI-SP e FIESP no projeto, a situação
do Brasil junto aos parceiros melhorou (acalmou) um pouco.
• Durante o período de treinamento na Rússia,
vôo espacial e recuperação inicial,
estive fora do processo técnico, executando apenas
as minhas reais funções no projeto (ver
item 1).
• Ao retornar a Houston após o vôo,
verifiquei a situação atual do projeto.
• O processo de assinatura e inclusão do
SENAI no MLA ainda não está completo. Portanto
até o momento, o SENAI-SP pode preparar toda a
infra-estrutura necessária de máquinas,
pessoal, desenvolver a tecnologia de usinagem, mas precisa
esperar por esse documento para ter acesso aos dados técnicos
necessários para dar continuidade no processo de
fabricação e teste dos protótipos.
• O Brasil deve apresentar urgentemente para a NASA
o cronograma de fabricação e entrega das
partes. Caso contrário, devido ao cronograma de
construção da ISS, a NASA terá que
descartar a participação do Brasil na construção
desses componentes e contratar essas partes de outros
fabricantes (indústrias que já estão
homologadas para isso). Estaríamos fora da cooperação.
• Portanto, isso exige novamente nossa ação
rápida junto a NASA e parceiros para o adiamento
dessa decisão, assim como a documentação
necessária e o trabalho intenso junto a indústria
nacional (SENAI-SP e FIESP) para a fabricação
dos protótipos. É isso que estou tentando
fazer no momento. Fora todo esse tempo despendido para
contornar os estragos dessas opiniões completamente
erradas noticiadas sobre o assunto de minha ida para a
reserva!
• Considerando que teremos sucesso em manter o Brasil
na cooperação internacional, o próximo
passo, além da fabricação das partes,
é a negociação com a NASA da contrapartida
para o Brasil das partes nacionais.
• Com o nível de participação
brasileira (33 plataformas adaptadoras), o Brasil poderá
ter em troca: 1 - Uma certa quantidade de tempo de utilização
da ISS, transporte de experimentos e recursos científicos
de bordo para a execução de experimentos
nacionais em microgravidade a bordo da ISS; 2 –
Intercâmbio de pesquisadores com a NASA e outros
centros de pesquisa ligados ao programa da ISS.
• No nível atual de participação
do Brasil, está descartada a possibilidade de um
vôo espacial, como inicialmente previsto em 1997,
quando o nível da participação brasileira
era com componentes da ordem de U$120 milhões.
• Portanto, na situação atual, eu
não terei mais utilização operacional
como tripulante. Assim, a Força Aérea já
concluiu e cumpriu a sua parte conforme acordada em 1997,
deixando, nesse contexto lógico, de ser responsável
pela minha manutenção e remuneração
no exterior para o programa.
• Contudo, conforme meus objetivos pós-vôo,
eu estarei lutando para que tenhamos outro astronauta
brasileiro. Ter continuidade! Para isso, precisamos manter
a participação do Brasil na ISS e ampliarmos
essa cooperação com o auxílio da
indústria privada. Depois disso, negociarmos um
segundo vôo. Isso pode ocorrer, se conseguirmos
trabalhar em paz e tudo der certo, por volta de 2010.
Embora eu gostaria muito, esse segundo vôo não
será realizado por mim, mas eu quero ser uma peça
importante para que ele ocorra (veja meus objetivos no
item 5). Eu quero acompanhar o treinamento dessa pessoa
e conduzi-lo ao foguete, assim como Valentina Tereshkova
(primeira cosmonauta mulher) me conduziu ao Soyuz.
• Conversei com o Presidente da AEB, durante o processo
de minha passagem para a reserva, a respeito dessa situação
atual do projeto. Como é lógico, confirmei
a continuidade das minhas funções técnicas
normais em Houston para o Programa Espacial para o sucesso
da participação brasileira na ISS, em especial
nessa situação emergencial, deixando os
ajustes administrativos para posterior conversação
em conjunto com um possível acerto com a FIESP.
Isso não é importante agora. O importante
é a continuidade do projeto (veja item 5). Para
isso eu trabalho!
CENÁRIO BRASILEIRO:
•
Esse ano teremos eleições no Brasil
• Isso significa disputas de todo o jeito e inúmeras
pessoas querendo utilizar qualquer coisa que dê
algum destaque na imprensa para tentar “convencer”
o público sobre um ou outro lado da disputa. Também
existem pessoas que aproveitam o “embalo”
para tentar resolver seus traumas pessoais.
• Procuram por “qualquer coisa” que
possa ser visto (não importa se seja verdade ou
não) e se transformar em uma polêmica ou
escândalo. Qualquer coisa serve. Não importa
a quem, não importa o futuro, importa apenas agora.
Triste.
• Embora eu tenha falado muitas vezes, infelizmente,
por mais que eu tenha repetido da minha insatisfação
da possibilidade de ser a minha missão pelo país
no espaço utilizada para fins políticos
para qualquer lado da disputa, observo que todo esse "desencontro"
de informações atual parece ter sido propulsionado
por isso. Sofrem as boas ações. Sofrem os
ideais pelas futuras gerações.
• O público, todos nós, ficamos assustados
com todas essas coisas acontecendo e sentimo-nos coagidos
no canto, reagindo com impulso e sem saber em quem acreditar.
• Mas nós, o povo, somos sábios e
sabemos julgar. Confio nisso, e o tempo está do
lado da verdade.
CARREIRA NA FORÇA AÉREA:
•
Completei os anos regulamentares de serviço ativo
na RFFSA e na Força Aérea
• Nunca tive nenhum demérito na minha ficha
militar durante todas as décadas de serviço.
• Durante os anos de dedicação à
realização da missão espacial para
a qual fui designado, tive que deixar de realizar os cursos
de carreira necessários. Sabia das conseqüências,
mas optei pela missão pelo país ao invés
do meu interesse pessoal de carreira.
• Minha carreira como oficial da ativa não
teria mais progressos.
• Não tenho os requisitos para ser comandante
de nenhuma unidade da FAB.
• Não tenho atuado como oficial dentro da
Força há muitos anos
• As insinuações maldosas de que eu
teria qualquer atividade comercial com empresas ou palestras
foram todas averiguadas pelo Comando da Aeronáutica
que constatou e confirmou oficialmente que nunca infringi
o regulamento militar.
• Fui criado dentro da FAB e mantenho minha grande
paixão de menino, cadete, pela minha Força,
mas reconheço que no momento, depois de ter tido
uma carreira paralela, sou mais útil a ela atuando
“por ela” em outras organizações.
• A passagem para a reserva permite o meu trânsito
fora e dentro da FAB, podendo usar meus conhecimentos
para os programas e projetos espaciais da FAB e ao mesmo
tempo fomentar por meios externos de auxílios e
cooperações para os mesmos.
PESSOAL:
•
Nesses tempos tento recuperar um pouco da minha vida,
depois de ter dedicado 100% à missão que
fui designado e cumpri até o final, sacrificando
vida social, carreira militar, lazer, saúde, amigos,
família, etc.
• Detesto falar dessas coisas, visto que minha missão
eu fiz pelo amor pelo meu país, mas vejo que às
vezes é necessário colocar pontos nos “is”.
• Quando eu estava sentado naquela cápsula,
nas condições que existiam, e nos momentos
mais críticos, aonde estavam essas pessoas que
hoje falam tantas besteiras para o público? Orando
para alguma “entidade”e pedindo a ele que
a cápsula explodisse e assim ficassem demonstrados
suas “teorias”?
• Aonde estavam essas pessoas quando alguma coisa
precisava ser feita para manter o respeito e o nome do
Brasil na cooperação internacional?
• Aonde estão os compromissos dessas pessoas
com o futuro? Aonde estão suas contribuições
com o futuro? Será que alguém tem coragem
de encarar comigo o desafio para lutar pela educação
das nossas crianças?
• Acho que não. É preciso obras para
serem criticadas. É a natureza do escorpião
e do monge.
• Até ontem, eu estava muito motivado e trabalhando
exatamente conforme os objetivos pessoais de pós-vôo
que apresentei no item 5.
• Hoje, fui surpreendido pela maldade e incompreensão.
Hoje, penso sobre o assunto, sobre as minhas convicções
pelo país e busco forças na minha perseverança
e determinação para continuar lutando pelos
meus ideais de nação, essa batalha enorme,
mesmo com flechas amigas atingindo minhas costas. Decepção.
• Pergunto a mim mesmo, onde estão todas
aquelas pessoas boas que vi outro dia? Será que
esqueceram de tudo? Será que uma palavra maldosa
de qualquer irresponsável vale mais que uma história
de vida? Será que vale a pena? Até quando
milhões de pessoas boas ficarão omissas
perante as ações, palavras e desserviços
à nação por dessas poucas pessoas
maliciosas? O que seria preciso para toda essa gente boa,
esses milhões de pessoas, saberem e usarem do poder
que têm para limpar a sociedade desse tipo de câncer?
• Interessante...eu estava assistindo outro dia,
em Moscou durante o tempo de recuperação
no hospital, ao filme “Coração Valente”.
Hoje lembrei exatamente de uma cena desse filme na qual,
após uma batalha terrível e ferido, o Escocês
William Wallace vence e tira o capacete do cavaleiro “Inglês”
que o atacara para defender o Rei da Inglaterra em fuga.
O “Inglês” não era inglês,
mas sim o próprio nobre que o protagonista escocês
defendia com a própria vida nas batalhas para libertar
o país e colocá-lo (aquele mesmo nobre)
no trono da Escócia como Rei. Interessante lembrar
o rosto de decepção dos Escoceses a sua
falta de palavras naquele instante. Interessante, hoje,
eu me sinto exatamente como aquele escocês.
• Em termos de família estou tentando aproveitar
o período para ficar um pouco junto dos meus e
recuperar um pouco a relação do desgaste
de todos esses anos de afastamento.
• A saúde se recupera. Certamente não
é, nem de perto, a mesma do início do treinamento
em 1998. A idade e o stress cobraram tributos altos. Nos
próximos anos terei que ficar de olho na pressão
sanguínea, na pressão ocular e nos pequenos
tumores encontrados no intestino (retirado) e nos rins.
Contudo, é bastante improvável que eu tenha
condições de preencher os difíceis
requisitos médicos de uma segunda missão
espacial que só pode ocorrer depois do ano 2010.
Por isso, e pela necessidade de continuidade, também
é mais lógico que passe agora a lutar para
um segundo vôo realizado por outro brasileiro, conforme
descrito nos meus objetivos pessoais pós-vôo.
7. Considerações Finais:
•
A minha passagem do serviço ativo para a reserva
da Força Aérea foi feita após longo
aconselhamento com o Comandante da Aeronáutica,
Ten.Brig. Bueno, e o Presidente da AEB, O Dr. Sérgio
Gaudenzi também foi contatado por mim durante o
processo administrativo, proferindo-se completamente a
favor da decisão.
• Obviamente, a ida para a reserva da Força
Aérea não significa de modo algum afastamento
ou saída do Programa Espacial, muito pelo contrário!
• Este fato foi informado e acertado nos contatos
com o Presidente da AEB, assim como o status atual do
programa da ISS.
• Também ficou acertado que eu o acompanharei
em todas as negociações entre AEB e NASA
para o programa da ISS.
• O ajuste administrativo da situação,
com a minha ligação à FIESP e/ou
AEB, será feito assim que a situação
emergencial de manutenção do país
no programa (segundo carta da NASA) seja resolvida.
• Existe um contato normal e permanente na situação
atual com a AEB, FAB, FIESP e SENAI-SP
• O conceito atual utilizado pelos programas espaciais
desenvolvidos não pode separar o setor privado
dos esforços governamentais na área espacial.
Portanto o setor privado e o governo devem ser parceiros
inseparáveis para o sucesso desse setor.
• A minha ida para reserva faz essa união
e atende diretamente aos interesses do País, da
Força Aérea, da AEB, das indústrias
brasileiras e do programa espacial, sendo todos esses
setores beneficiados pela situação:
O país
- Ganha um defensor persistente e atuante no campo social
da educação com possibilidade de criar infra-estrutura,
administrar, gerenciar, unir-se a esforços existentes,
expressar opiniões e atuar no Brasil e exterior
- Ganha um profissional na área técnica
para o esforço de manter a participação
e o bom nome do país no programa da ISS
- Mantém um divulgador efetivo da C&T, história
e cultura do país envolvido em diversas instituições
de grande importância no exterior.
- Mantém um elemento de motivação
e obstinado pela juventude no Brasil
A
Força Aérea
- Ganha um integrante (oficial da reserva), com conhecimento
técnico, com conhecimento da instituição
e comprometido com a causa dos projetos espaciais e de
defesa desenvolvidos pela instituição, trabalhando
diretamente dentro do setor privado no Brasil e no exterior,
podendo promover integração de projetos
e recursos para o setor.
- Cumprida sua obrigação junto ao acordo
assumido em 1997 para o vôo espacial, deixa de ter
despesas de remuneração no exterior com
o astronauta.
- Mantém um divulgador efetivo e ativo das atividades
e competência da Força Aérea.
A
AEB
- Ganha um conhecedor profundo do programa da ISS (com
mais tempo de trabalho direto no projeto) trabalhando
diretamente dentro do setor privado, onde existe no momento,
a única ferramenta possível para resolver
a questão técnica da participação
brasileira na ISS. Desse modo, poder defender o seu próprio
nome como agência e, mais do que isso, o nome do
Brasil no programa internacional. Isto é, funciona
como se automaticamente tivesse ganhado uma integração
direta, um braço ativo com a indústria,
justamente no momento mais crítico, quando era
necessário isso ou o risco sério de sermos
cortados da cooperação sob responsabilidade
direta da AEB (acertos e falhas!).
- Ganha agilidade administração –
execução técnica, imprescindível
nesse momento do programa da ISS.
- Mantém seu elemento de contato, já de
tantos anos, no programa internacional em Houston junto
aos outros 15 países participantes da ISS. Agora
fortalecido pelo reconhecimento internacional pelo trabalho
bem concluído como astronauta na missão
centenário.
- Tem um elemento no cenário internacional com
conhecimento de Agências, empresas e Programas espaciais
de forma acompanhar e facilitar negociações
futuras para outras cooperações desejadas
pela AEB no mundo. Tudo isso já com a conexão
direta e imediata com a indústria nacional.
A
FIESP
- Ganha o apoio técnico de um conhecedor profundo
do programa da ISS (com mais tempo de trabalho direto
no projeto), com relação com vários
programas e projetos espaciais, agências como a
NASA e Roscosmos e companhias gigantes na área
espacial como Boeing, Mitshubish Heavy Industries, etc.
- Ganha possibilidade de ligação direta
com os centros de desenvolvimento de tecnologia e produtos
oriundos da pesquisa espacial.
- Ganha agilidade no processo de homologação
de qualidade de empresas brasileiras na área espacial
(selo de qualidade NASA).
- Suporte técnico direto para cumprir o seu compromisso
assumido com o programa espacial (AEB) para o desenvolvimento
e fabricação dos protótipos nacionais
das partes da ISS.
O
Programa Espacial
- Ganha impulso para fomentar integração
entre esforços privados e governamentais
- Ganha apoio para termos o primeiro centro dedicado a
pesquisas em microgravidade no país.
- Ganha um divulgador efetivo no Brasil e exterior
- Ganha agilidade entre processos técnicos e administrativos
(grande “gargalo” atual)
•
Quanto a mim, eu ganho a chance de continuar fazendo o
trabalho que gosto e defender minhas idéias sociais,
agora com mais liberdade e possibilidades de realizá-los
por completo.
• Dedicar sérios esforços na área
social da educação, não só
na motivação e palavras, mas também
na criação de uma instituição
para fomentar acesso à educação a
crianças de baixa renda no Brasil. Essa é
a verdadeira retribuição de futuro para
o país pela educação que tive como
criança pobre.
• Por outro lado, caso não tivesse ido para
a reserva, sem a possibilidade de outro vôo espacial,
no presente momento a minha opção teria
sido o retorno ao Brasil para o Instituto de Aeronáutica
e Espaço em São José dos Campos,
onde eu trabalharia como engenheiro no projeto de desenvolvimento
do VLS. É uma opção interessante,
por isso eu a escolheria, contudo, deixaria de lado outras
inúmeras utilizações de minha experiência
para o Brasil e para o programa espacial, visto que o
tempo necessário, atividades e viagens necessárias
para essas outras funções (ISS no Brasil
e exterior, divulgação da FAB e do programa
espacial, trabalho social, etc) não seriam compatíveis
com a função militar de Ten.Cel.Av. Portanto,
eu teria que me ater apenas às funções
militares para não gerar conflitos para a organização.
• É essencial separar as idéias do
custo da Missão Centenário pago pela AEB
à Rússia da minha participação
operacional na missão.
• Primeiro a decisão em executar a Missão
é função exclusiva da parte administrativa
(AEB). Minha função é apenas operacional
(tripulante e executor dos experimentos) , com participação
muito reduzida percentualmente nos custos da missão.
• Na verdade, os únicos custos reais que
podem ser atribuídos à execução
da função de astronauta foram: o valor do
treinamento para o vôo espacial, pago pela AEB,
e o pagamento de manutenção empregatícia
(remuneração, seguro saúde etc...)
durante o treinamento e o vôo, pago pela FAB.
• Como é evidente, o investimento financeiro
efetuado pela AEB, com o treinamento de astronauta na
NASA e na Rússia, tinha a finalidade exclusiva
de me preparar unicamente para a realização
de um vôo espacial para o Brasil. Assim, a execução
operacional da Missão Centenário (primeiro
vôo espacial brasileiro) com sucesso e absolutamente
sem nenhum erro, representa o retorno integral de todo
o investimento feito pela AEB.
• Esse investimento seria perdido caso, por alguma
razão, o vôo não fosse realizado,
como poderia ocorrer caso desistíssemos de lutar
pelo vôo, quando o programa foi praticamente abandonado
em prioridade pelas instituições entre 2002
e 2004.
• É absolutamente essencial e claro a diferença
entre o valor do investimento com o treinamento para a
execução do vôo espacial (previsto
nos custos do programa da ISS e aberto a consulta de qualquer
pessoa) e o pagamento total à Rússia pela
Missão Centenário.
• Quanto aos custos de manutenção
(remuneração, custos empregatícios,
seguro saúde...), como militar da ativa em serviço
no exterior, foram pagos mensalmente, durante estes 08
anos, conforme lei de remuneração dos militares,
pela FAB, sem qualquer alteração, cumprindo
a rigor as obrigações estabelecidas no acordo
de 1998.
• A finalidade primária da Missão
era científica e não para que “eu”
voasse. Lembrar que, se eu tivesse tido qualquer problema
de saúde ou técnico antes da missão
(no dia do lançamento por exemplo), teria voado
no meu lugar um Cosmonauta Russo (Sergei Volkov). Ele
poderia executar os experimentos Brasileiros na ISS. E
ai? O governo estava investindo na missão para
um Russo voar, ou para realizar os experimentos?
• A impressão que eu tenho no momento é
que procura-se justificar a mim o custo da missão.
É claro que isso é um absurdo que só
pode sair de mentes distorcidas ou tendenciosas. O governo
investiu na realização de uma missão
que julgou ser de importância para a ciência
do programa espacial e para a visibilidade do mesmo. Eu
cumpri a minha parte, como funcionário do governo,
treinando e executando, em vôo, o perfil definido
pela gerência para a missão. É óbvio
que a missão nunca seria “minha”, eu
não tive nem sequer o direito de opinar sobre como
seria o seu plano de vôo a bordo da ISS! A missão
é do governo do Brasil.
• Para ilustrar essa abordagem absurda de custo
da missão (tipo “O governo gastou US$ 10
milhões com o astronauta”) exemplifico da
seguinte forma: Imagine que a Marinha do Brasil ache necessário,
decida e compre um novo porta-aviões ao custo de
US$ 500 milhões. O navio será empregado
para a defesa do nosso litoral. Para comandá-lo,
a Marinha designa um de seus bons oficiais, o Comandante
Cláudio! Seria um absurdo semelhante se, contrários
e inconformados com o gasto do governo na compra do navio,
anunciassem “O governo gastou US$ 500 milhões
com o Comandante Cláudio!”. Deu para sentir
o fato!
• Bem, a despeito de tudo isso, eu gostaria de agradecer
a todas as pessoas e organizações que sabem
distinguir entre a verdade da história e dos fatos
contra as palavras de maldade e, assim confiam a mim,
me apoiando e mandando tantas mensagens de apoio e motivação.
Sei que todos vocês estarão sempre junto
comigo pelo Brasil. Obrigado especial ao apoio dos amigos
das associações dos radioamadores, aeronautas,
astrônomos amadores, trabalhadores, militares, comitê,
clubes militares, clube do astronauta, etc. Seria muito
bom que pudéssemos juntos fazer valer a nossa força
contra as pessoas que tentam destruir o que há
de bom no nosso país e espalham o medo em ações
e em palavras maliciosas.
Depois
de concluída a missão centenário
e assim as minhas obrigações oficiais no
programa (conforme item 1), talvez eu pudesse ficar mais
tranqüilo e descansar mais. “Cuidar mais de
minha vida”, como dizem. Talvez muita gente fizesse
isso. Mas eu resolvi continuar lutando pelo programa e
pelo meu país. Desafios e decepções
fazem parte da luta também. Olho nesse instante
para a parede, em frente da minha mesa de trabalho e vejo
a foto de Jesus que tenho aqui a tanto tempo para me lembrar
nesse tipo de momento do que realmente importa: “Jesus
é o único amigo que nunca abandona amigo
no meio do caminho!”
Hoje pela manhã acordei bem cedo, ouvi barulhos
e caminhei até a sala. Encontrei minha filha chorando
no sofá. Perguntei a ela o que havia acontecido.
Ela disse: “Pai, depois de tudo que fez, por que
as pessoas estão te tratando tão mal no
Brasil? Será que valeu a pena? Será que
vale a pena continuar esse seu “ideal” pelas
outras pessoas?”. Eu a abracei e chorei junto. Não
sabia o que dizer.
Na minha alma de combatente eu sinto, eu sei, que preciso
continuar a lutar sempre para o bem de todas as pessoas
no meu país, inclusive aqueles que tentam me atacar.
Difícil, nesse momento, é expressar esse
sentimento com palavras. Apenas com um coração
ferido.
Paz
e Felicidade a todos.
Houston,
25 de Maio de 2006
Marcos
Pontes, Ten.Cel.RR
Primeiro astronauta brasileiro
Representante do Programa Espacial Brasileiro no Programa
da Estação Espacial Internacional
NASA JSC, Houston, TX.
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